Persona 3 e eu e a escola e outras coisas.

Mateus Braz
7 min readSep 9, 2019

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As vezes parece que não, mas eu já tive 15 anos. Outra vezes parece que nunca deixei de ter. Eu não lembro exatamente quando comecei a jogar Persona 3, minha melhor aposta é algo em meados do meu segundo ano do ensino médio. Se essa estimativa estiver correta (lembro-me quase que claramente de pensar sobre esse jogo naqueles corredores) isso significaria que comecei Persona 3 com 15 ou 16 anos de idade. Curiosamente fui terminar o jogo apenas 3 anos depois. Mais sobre isso mais tarde.

Não me lembro bem agora, mas suponho que os protagonistas de Persona 3 tivessem por volta de 16 ou 17 anos. A idade batia. Naquela época eu finalmente começava a fazer coisas além de jogar videogame e ler quadrinhos. Um pouco mais tarde que a maioria de meus colegas, mas ainda mais cedo que outros tantos. Sou normal. Com alguma margem de erro. Entre festas de 15 e, por enquanto, uma moral abstêmia estrita, minha adolescência finalmente desabrochava, como diz o clichê. Em casa eu jogava um jogo sobre adolescentes que, metaforicamente (ou não), atiravam com pistolas em suas cabeças para trazer à tona sua força interior e combater o mal. Não pretendo me estender muito aqui sobre os detalhes e sutilezas de como Persona 3 amarra perfeitamente os conceitos da psicologia junguiana com mecânicas de RPG e trama. Eu sinceramente espero que você já tenha jogado ou vá jogar Persona 3.

Anotações (imprecisas) do meu primeiro ano de faculdade…

Nas festas de 15 anos eu ensaiava desajeitados passos de dança, em casa um jogo de videogame me fazia pensar sobre as máscaras e as sombras da psique humana. Nas festas de 15 meu estômago se retorcia ao mero olhar de uma menina bonita, em casa eu criava vínculos de amizade (reais e virtuais) com personagens ficcionais. Eu sempre tive uma tendência de me isolar, ou talvez só preguiça de interagir. Eu gosto de ler. Isso sempre me bastou. Interações sociais, até hoje, requerem um esforço especial, uma racionalização. Contudo, com 15 anos tudo parecia mais leve, e eu conseguia me dar bem com as pessoas. Acho que o contexto de colégio ajuda também. Como eu disse eu era normal. As vezes eu sofria bullying, as vezes não. Normal. Enquanto isso em Persona eu desmarcava um compromisso com um amigo para sair com uma garota, e via nossa amizade se desfazer em uma barra visualmente quantificável. Lembro claramente de como aprendi algo óbvio nesse dia.

Voltando aos 3 (ou 4) anos de demora. Sempre tive certa dificuldade em levar as coisas até o fim, digo, não é bem assim. As vezes eu conseguia ler 100 volumes de um gibi, mas raramente chegava ao final de um jogo. Hoje em dia me esforço para terminar as coisas, aprendi a apreciar o valor de uma obra como um todo. Mas ainda tenho dificuldade de terminar seriados televisivos, ou melhor, acho que gosto de ir ao meu ritmo, apreciando sem pressa. Nunca faço maratonas. Foi assim que eu joguei Persona 3, e também foi assim que assisti Kamen Rider Fourze. Caso você não conheça a franquia Kamen Rider, basta saber que trata-se uma série de séries live-action de ação envolvendo heróis de armadura. Cada temporada possuí seu próprio universo separado e personagens específicos, variando drasticamente em tom e temáticas (variando entre simples aventuras infantis até tramas mais sóbrias). Kamen Rider Fourze era uma série diferente dentro da franquia, depois dos terremotos que abalaram o Japão naquele período os produtores decidiram fazer uma temporada com uma pegada mais leve do que as anteriores. Fourze se passava em um colégio de ensino médio e foi exibida originalmente no Japão entre 2011 e 2012. Eu provavelmente comecei a assisti-la no fim de 2012, mas não sei ao certo. Assim como Persona 3 levei uns bons anos para chegar ao fim de seus míseros 48 episódio de menos de 30 minutos de duração cada. Mas como já disse, eu demoro.

A série mostrava adolescentes perdidos reagindo com violência a um mundo que não entendem (e aparentemente não os entende) e um herói que quer ser amigo de todos no colégio.

O ponto é que assisti essa série de forma tão espaçada que acabei me acostumando a “conviver” com aqueles personagens, acompanhei seu crescimento paralelo ao meu e seu ensino médio durou praticamente tanto quanto o meu. Acho que isso intensificou meu vínculo emocional com a série e, ao chegar ao fim, não me restava reação possível além de chorar.

Nesse período de poucos anos do ensino médio, foi como se minha vida começasse. Me apaixonei pela primeira vez e sofri por vez primeira. Fiquei triste com o fim das coisas e fiz as amizades que mais valorizo até hoje. Não muito diferente dos personagens que eu acompanhava. Parece que foi uma vida toda.

O tema principal de Persona 3 é memento mori (lembre-se da morte), o jogo cobre 1 ano da vida de um colegial (o jogador, para todos os efeitos). Grosso modo esse ano simboliza uma vida, do nascimento a morte. O jogo te dá 1 ano para você usar como quiser. Se relacionar com amigos, se dedicar aos esportes, estudar, resolver problemas pessoais, vencer o mal. Não vai dar tempo de você fazer tudo, e não é pra dar. Assim como o supracitado seriado, eu alonguei minha jogatina de Persona 3, talvez até mais do que deveria. Persona 3 se tornou uma constante em minha vida, não jogava regularmente, mas ele sempre estava lá. Sempre que não queria ler nada ou não queria estudar para uma prova, ele estava lá.

Cortázar dizia que o romance era uma vitória por pontos, enquanto o conto seria um nocaute no primeiro round. Admito que sempre gostei mais de nocautes no primeiro round, mas narrativas longas têm um valor inestimável. Persona 3 é um jogo longo. De acordo com a internet o tempo médio para concluí-lo é de 80 horas. Segundo o contador interno do jogo eu levei 148 horas e 22 minutos para chegar no final. Cento e quarenta e oito horas e vinte e dois minutos caminhando por aquelas ruas de mentira. Cento e quarenta e oito horas e vinte e dois minutos conversando com personagens diversos e descobrindo os sofrimentos de suas vidas. Nada disso existiu de verdade, mas está em algum lugar por aí. O poeta moribundo. O casal que teve que enterrar o próprio filho. O tolo apaixonado pela professora. O jovem que cedo demais teve que sustentar sua família. A criança perdida no divórcio de seus pais. Além de várias outras histórias que eu não cheguei a ver. Cada pessoa que joga esse jogo tem uma experiência única. Seguindo a linha da metáfora de Cortázar, Kamen Rider Fourze me derrotou por pontos, Persona 3 me nocauteou repetidas vezes até o último instante do último round.

Opções de diálogo com o jovem poeta que sabe tem pouco tempo de vida.

Eu me habituei a viver essa pequena vidinha virtual, que apesar de simples, mostrava uma compreensão muito profunda sobre a natureza da vida. Como já disse, acho esse jogo grande demais para caber nestas pequenas linhas. Persona 3 foi minha vida toda.

E ela acabou. Quando terminei o jogo e os créditos subiram um vazio me assolou. Não só pelas temáticas pesadas e extremamente reais abordadas na trama, mas um fragmento da minha vida que existiu por alguns anos, desaparecia no vento. Claro. Tudo tem que terminar. Não chorei. Fiquei algum tempo olhando para o nada. Memento mori.

Ao chegar ao fim, o ciclo da vida se fecha. O fim chega, seja ele a morte, a formatura, ou créditos subindo a tela. Fizemos o que pudemos, crescemos o que pudemos, e as ficções bobas juvenis já sabiam que o fim não é tão triste, que a vida não é tão boa, que o tempo acaba, que a juventude passa rápido como um foguete ou um trem-bala. A vida não é tão boa assim, mas, o clichê estava certo no final, a vida não é tão triste assim. Sei lá, acho que só quero dizer que no fim das contas amizades valem muito mais do que percebemos, e a ficção também.

Na verdade memento mori não é uma ideia triste. Às vezes ir devagar é o melhor caminho.

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Mateus Braz
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