Resenha: Beco do Rosário de Ana Luiza Koehler
O RESUMO DA ÓPERA: O gigante de concreto devora os humanos. Seus mestres se regozijam em nosso sangue. Seguir em frente é difícil, mas existir é resistência.
Beco do Rosário conta a história da gentrificação do centro de Porto Alegre, e como a prefeitura ativamente desalojou as populações negras e pobres para poder demolir suas casas. Para onde essas pessoas iam? Para as periferias, tendo que pagar mais e demorando mais para chegar no trabalho, ajudando na manutenção da pobreza. Ruas modernas e bonitas não podiam abrigar essa “gentalha”, como dizia o jornal da época.
A trama acontece através de saltos temporais, onde vemos as famílias de Vitória e de Teo encararem os tempos mudando. Vivi luta por anos para tentar ser repórter, em um tempo em que mulheres são julgadas por fazerem qualquer coisa. Teo perde a perna na guerra defendendo a Alemanha, e volta para o Brasil achando que pode europizar tudo. Ele não é mau, só cego, descolado da realidade.
O talentoso escultor negro é obrigado a abandonar sua arte e destruir seu próprio bairro para sobreviver. A mulher negra não pode fazer nada sem ser constantemente lembrada de que não pode fazer nada. A idosa negra é obrigada a ver suas memórias na casa em que viveu a vida toda serem destruídas. Enquanto isso, a mulher branca vive uma vida privilegiada, mas castrada pelo machismo.
A arte é espetacular, Ana Luiza Koehler transforma cada quadro em uma pintura, e seguindo um leiaute tradicional e intensamente carregado de imagens e texto, manipula nossos sentidos quando quebra suas próprias regras. É uma tática simples, mas que somada ao seu texto deliciosamente real e sua arte intensamente detalhista, parece que não poderia ser de outra forma.
Ao fim os donos do poder conseguem o que querem. E talvez a sobrevivência dos oprimidos só seja possível quando eles se percebem como tal e se unem, não para mudar o mundo, mas para, em mundo que criminaliza sua mera existência, serem eles mesmos. Assim o mundo muda.