Resenha: Os últimos dias de Pompeo por Andrea Pazienza

O RESUMO DA ÓPERA: Os Últimos Dias de Pompeo é tão lisérgico quanto um mito grego.

Mateus Braz
2 min readMay 20, 2021

Seria fácil chamar Os últimos dias de Pompeo de lisérgico. “Um olhar lisérgico sobre a morte.” deve ter dito algum crítico de quadrinhos por aí. Mas isso seria muito simples. Os Últimos Dias de Pompeo é sobre a sensação de acordar, correr sem parar, concluir que não saiu do lugar, e prostrar-se na cama. Sobre olhar para o mundo ao seu redor e ver formas distorcidas, não pela droga, mas pelo cansaço. Dizem que este livro é um diário dos últimos dias do autor. Não sei muito sobre a vida de Pazienza. Sei que ele ganhava bem como quadrinista, que ele usava heroína, que ele morreu, e que ele gostava do Pato Donald. “Consumir” arte é diferente de produzir arte, na medida em que por mais que uma obra nos toque, ela é sempre alienígena. “Nossa, eu estou triste, mas não como esse cara.” A ficção é por vezes um retrato hiperbólico (e sendo assim mais realista que a mera enumeração de fatos) do que sentimos em nossas vidas. Se Pazienza verteu a si mesmo nesse quadrinho, ele se tornou ao mesmo tempo autor e personagem. Agora, como o Pato Donald, ele também habitava um mundo de tinta e papel, estruturado por quadros e balões. No fim das histórias do Pato Donald, tudo se resolvia, por bem ou por mal, e o status quo retornava. Mas como Pompeo poderia retornar ao status quo? Qual é seu status quo? Um passo depois do outro agora se tornavam um tufão prolixo de sensações captadas por um cérebro (esse sim) lisérgico, mas não apenas isso. Antes da droga vem o vazio, e depois também. O corpo pesa, e cada vez mais pesado, se torna insuportável. Quando começou isso? Não é a droga. Afinal só consigo respirar depois de uma picada. Seria mais fácil acreditar que foi tudo um sonho, mas como poderia? Se o amanhã por fim chegou. E depois dele mais um, e mais outro, e mais um… Só mais um, resista. Amanhã é um novo dia! Mas até quando? A droga faz mal, mas puta merda, a realidade também.

A prosa inebriante de Pazienza nos conduz em um ritmo desconcertante rumo à parede. A arte flutua entre extremos de detalhe e simplicidade, entre o poético e o figurativo. É impossível não ficar atordoado e ao mesmo tempo lembrar de dias em que parece que um tornado tirou um pedaço de nosso crânio e arrebatou nossas sinapses. Os últimos dias de Pompeo não é lisérgico, é trágico, não como uma criança atropelada por um ônibus, mas como uma tragédia grega. É tolice lutar contra o destino. O Pato Donald não pode terminar assim, mas Hipólito pode.

--

--

Mateus Braz
Mateus Braz

No responses yet