Resenha: Sky Masters da Força Espacial de Kirby, Wood, et al.
O RESUMO DA ÓPERA: Sky Masters nos mostra o potencial da criatividade humana, quando submetida a um exercício de não-criatividade.
Sim, você está aqui pela arte de Kirby e pela arte-final de Wood. Os nomes dos escritores figuram pequenos na capa da nossa edição nacional. Dick Ayers escreveu algo na Marvel, eu acho? Mas tudo bem, isso não importa, estamos aqui para ver um pulp espacial da era do jornal. Na primeira metade das tiras o texto agradável, as aventuras singelas, e a arte esplendorosa nos levam por página e páginas deliciosas, que passam dias em minutos. Kirby nos abençoa com tiras que fogem do padrão usual enquanto Wood com seu perfeccionismo quase obsessivo, cria sombras mais vivas do que qualquer cor com seu domínio absoluto do preto e branco. Na segunda metade, Wally Wood deixa a arte final para um artista mais… apressado, tirando metade do sabor daquelas páginas. Ao ler tiras diárias justapostas assim, é inevitável temer que não funcionem tão bem. É engraçado se tornar um senhor do tempo. A narrativa flui bem (aliás com mais dinamismo do que muitos quadrinhos de revistas da época).
Mas isso não importa, você não está lendo isso pra ter uma trama intrincada, complexa e avant-garde, Sky Masters é uma cápsula do tempo. Você está em 1958, lendo jornal e imaginando os avanços da era espacial! O futuro é um lugar glorioso com… satélites e voos sub-orbitais. Na contramão de Ray Bradbury, Buck Rogers, Flash Gordon e seu contemporâneo, Adam Strange, Sky em momento algum nos mostra alienígenas, civilizações perdidas, planetas distantes, colônias marcianas ou qualquer sonho dourado dos escritores do século passado. O que temos aqui é uma ficção-científica baseada na chata realidade. Isso quer dizer que Sky Masters é um quadrinho chato? Não sei dizer, mas com certeza tem um sabor muito particular. Sky vive em um mundo semelhante ao nosso, com a única diferença sendo que voos orbitais e transporte de tripulantes para estações espaciais ocorrem semanalmente, e podem ser arranjados em um questão de horas, caso surja a necessidade (a despeito do dinheiro do contribuinte).
A chamada do jornal Miami Herald dizia “Uma grandiosa nova tirinha que é moderna, empolgante, crível e autêntica”. Nota-se que os autores de fato tentam se forçar a escrever algo “crível”, sem perceber que as únicas ficções críveis são as incríveis. Ao longo das tiras os autores ameaçam romper o firme elo de “realismo” com o qual pretendem ancorar as histórias, porém sem nunca rompê-lo de fato. O que vemos são coincidências surpreendentes colocarem a força espacial estadunidense em apuros. O universo é um lugar desconhecido, mas nem tanto assim. Os personagens não se cansam de falar sobre a “Era Espacial” mas não se arriscam a sonhar muito alto. É uma construção de mundo (deus que me perdoe por usar esse termo) tão sui generis que só me resta pensar que talvez ela só soe assim para alguém lendo isso em 2020. Não cabe a mim supor o imaginário e a percepção da população estadunidense na década de 50, mas me parece extremamente surreal uma ficção científica que não abraça mais elementos fantasiosos. A que serve esse exercício de restrição da imaginação humana? Bem, o resultado são algumas histórias divertidas, porém com força temática quase nula. O que mais salta aos olhos é essa linha tênue entre o crível e o incrível na qual os autores tentam inadvertidamente se equilibrar. Soa bizarro, hoje em dia, uma ficção científica tão pouco inventiva ser escrita depois de Flash Gordon derrubar tiranos de planetas longínquos nas tiras dominicais e Ray Bradbury nos fazer chorar pela morte dos marcianos em seus contos. Contudo, quando levamos em conta o fato da corrida espacial real estar esquentando no período da publicação das tiras, talvez explique-se a demanda por histórias que flertassem menos com o século 25 e mais com o distante futuro de 3 meses depois (Sky não poderia sonhar em competir com Yuri). Mas sinceramente, qual a graça disso?