Resenha: Visão por Tom King

O RESUMO DA ÓPERA: Não há motivo para existir. Existir é estar condenado a buscar um motivo para existir. Ninguém pediu pra nascer!

Mateus Braz
3 min readMay 20, 2021

Existir é uma maldição. Talvez uma das únicas que exista de fato, juntamente da morte. A partir do momento que você existe você começa a buscar um sentido para existir. Minto. No começo você existe por existir. É gostoso existir. Imaculado. Seu cérebro quase líquido não comporta 1% do que está ao seu redor (embora comporte coisas que eu ou você ignoramos a existência).

Eu cresci lendo gibis e jogando videogames. Praticamente só isso. Eu gostava de umas coisas e desgostava de outras. Aos 16 anos eu não passei no vestibular. Eu não sabia o que eu queria e então, como todo mundo, me inscrevi para direito. Não passei. No ano seguinte me inscrevi para letras. Não passei. Com o tempo fui perdendo o gosto pelas coisas. Com o tempo perdi as forças pra sair de casa. Às vezes eu queria tirar minha vida. Só não fiz pois sabia que uma hora ela acabaria, eu querendo ou não, e achei que poderia ver algumas linhas de diálogo extras até lá.

Os Visões não pediram para existir. O Visão, na sua solidão narcísica, se convenceu de que necessitava de indivíduos quimicamente semelhantes a si para aplacar sua solidão. A humanidade sempre acabaria virando as costas para ele, não é mesmo? Condenado a ser sempre uma visão inumana e sobrenatural. Então porque não criar uma família para si? Aqui está o seu erro trágico, ou melhor, nada disso. Não há erro trágico. Todo mundo faz isso. O Visão não pediu pra nascer, mas Ultron queria um assassino provido de inteligência. Talvez também para, em parte, aplacar sua solidão.

“Você não tem nome palhaço! Que necessidade um escravo tem de um nome… ou mesmo um número? Eu lhe dei uma mente para que você pudesse obedecer… não discutir comigo!”

“Então essa mente não tem uso… se não posso questionar!”

Roy Thomas, Avengers (1963) #58

Ser pai é almejar à imortalidade. Todo pai quer verter a si todo em seu filho, como se pudesse assim viver para sempre. O pai não quer ver sua carreira, seus gostos, suas paixões, seus ódios e loucuras desaparecerem. Acha que seu filho carregará parte de si. Ledo engano.

“Ouça-me bem, quero vingança. […] Escuta, Hamlet, escuta! Se alguma vez quis bem a seu amado pai […]”

Willian Shakespeare, Hamlet

A mãe não é assim, a mãe nutre, a mãe protege. A mãe alimenta-se da surpresa dos frutos que seus filhos lhe darão. Infelizmente, como por muitas vezes, cabe à mãe cumprir o papel integral de progenitor. O pai está sempre trabalhando, ela não tem a chance de descobrir quem é, pois é mãe. Nasceu mãe e morrerá mãe. O pai é claro, está muito ocupado trabalhando. Ele nasceu com um propósito claro, e logo se rebelou contra ele, encontrando um novo, mais bonito, mas altruísta. Ela nasceu com uma carga de propósitos, deveres, antes mesmo de conhecer a si mesma, antes de poder gozar de um mundo de deleite narcísico. Ela não pode abdicar desse dever. Afinal, ela é mãe, ela ama essa vida, né? Virgínia tem que sozinha educar dois adolescentes sobre sua condição, a qual ela mesma não compreende. Ela nasceu para cumprir um papel. Eu não nasci para cumprir papel algum. É doloroso.

Os Visões não são monstros. São como eu e você. Um pouco melhores do que feras. Todo mundo é. Mas ainda seremos salvos pelo amor. Se conseguirmos salvar ele primeiro.

“HELMER: But this is disgraceful. Is this the way you neglect your most sacred duties?

NORA: What do you consider is my most sacred duty?

HELMER: Do I have to tell you that? Isn’t it your duty to your husband and children?

NORA: I have another duty, just as sacred.

HELMER: You can’t have. What duty do you mean?

NORA: My duty to myself.”

Henrik Ibsen, A Doll’s House

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Mateus Braz
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